O Anglicanismo é um ramo histórico e reformado da Igreja de Jesus Cristo,
presente em 164 países, e em dinâmico processo de expansão missionária. É a
religião oficial da Inglaterra, e doze dos seus membros ocuparam a Presidência
da República dos Estados Unidos da América. É a Igreja de pensadores como John
Stott, C.S. Lewis, J.I. Packer, Alister McGrath e N.T Wright. Mas, para muitos
leitores brasileiros ela é “a religião fundada pelo rei Henrique VIII”. Estamos
presentes no Brasil desde a Regência, com as Capelanias Consulares Britânicas;
chegamos em grande número, com a imigração japonesa para o sudeste e o sul;
estabelecemos uma vigorosa missão, de origem norte-americana, no Rio Grande do
Sul, no final do século XIX. Em nosso País ainda se confunde romanismo com
catolicismo, e há, entre os protestantes, preconceitos contra a estética na
adoração e contra o governo episcopal. Católicos romanos, desconhecedores da
Igreja Celta, e da ampla e complexa realidade da Reforma Inglesa, ainda nos
encaram como simples cismáticos.
Os Anglicanos formam o ramo do
Cristianismo Histórico que têm suas raízes na Grã-Bretanha, onde se situa a Inglaterra,
cuja região central é denominada de Anglia, a terra dos anglos. A Grã-Bretanha
também inclui a Escócia, Gales, Irlanda e a Ilha de Man. A Inglaterra (terra
dos anglos) foi conquistada pelo imperador
Júlio César no ano 55 a.C., mas Roma levou um século para dominar toda a
Grã-Bretanha, com suas colônias, estabelecimentos militares e entrepostos militares, em uma era de
prosperidade, que durou três séculos.
A Irlanda, a Escócia, Gales, a Ilha
de Man e o norte da Inglaterra passaram a ser habitados, permanentemente, pelo
povo Celta, originário da Bulgária, no leste, e que se expandiu por toda a
Europa, fincando raízes nas Gálias (França), Península Ibérica e Ilhas
Britânicas. O sul da Inglaterra conheceu sucessivas levas de invasores.
Podemos dividir a História da Igreja
na Ilhas Britânicas em três fases:
1. A Fase Celta;
2. A Fase Católico-Romana;
3. A Fase Reformada.
A FASE CELTA (Séculos I ao VII)
Não houve nenhum esforço missionário
formal, nem das Igrejas do Oriente,nem da Igreja do Ocidente, para evangelizar
as Ilhas Britânicas. Ela foi o resultado do esforço dos leigos. Soldados,
funcionários civis e comerciantes cristãos romanos levaram o Evangelho para
aquelas ilhas. Também, no ano 70 d.C., dentre os escravos perseguidos nas
Gálias (França) que fugiram para o litoral inglês, estavam grupos de cristãos.
Uma tradição atribui à presença de José de Arimatéia, no primeiro século. Há
sítios arqueológicos desse período, como uma Capela em Kent, uma Igreja em
Silchester e a presença, em vários lugares, de símbolos cristãos, como o XP.
Tertuliano afirma a existência da
comunidade cristã britânica no ano 200. Três bispos ingleses estiveram
presentes ao Concílio de Arles, no sul da França, em 314. Não se sabe se
estiveram no Concílio de Nicéia (325), mas Atanásio informa que a Igreja
inglesa se submeteu às suas deliberações. A realidade é que o povo Celta se
converteu ao Cristianismo, e teve o seu primeiro mártir na pessoa de Santo
Albano, sacerdote morto durante a perseguição
do imperador Diocleciano (305). A Irlanda foi marcada pelo ministério
de Patrício e Paládio, a Escócia pelo ministério de Nínian e Columba, e Gales
pelo ministério de Davi.
A Igreja Celta tinha um forte acento
místico, ascético e missionário, sendo influenciado pela contemplação da Igreja
Oriental, inclusive pela adoção da sua versão do Credo. Essa contemplação
litúrgica, esse sentir da fé, essa
valorização da natureza, a
diferenciava da visão jurídica, filosófica e institucional da Cristandade
euro-ocidental sob Roma. Sua unidade básicaera
O mosteiro, com uma área de influência, sob a autoridade de um Abade.Alguns
abades eram bispos, mas a maioria dos bispos era missionária. Com essas regiões
abaciais, eles não conheceram a figura da Diocese, no modelo romano.
A Igreja Celta funcionou até o
século VII como um ramo autônomo do Cristianismo, se comportando como parte da
Igreja Católica (universal), mas sem vínculos formais ou subordinação à Igreja
de Roma. A partir do século V as regiões sul e centro da Inglaterra foram
invadidas por anglos, saxões e jutos, que a descristianizaram ou
re-paganizaram. Foi por isso que o Papa Gregório Magno, decidiu enviar uma
força missionária para aquelas regiões, formada por 40 monges beneditinos, sob
a liderança de Agostinho, que se estabeleceram na cidade de Cantuária
(Canterbury) perto do litoral. Além do objetivo de re-cristianizar a
Inglaterra, aqueles monges deveriam tentar levar a Igreja Celta a se vincular a
Roma, respeitando, tanto quanto o possível, os seus costumes.Agostinho foi
feito Bispo, bem como o seu companheiro Paulinus, responsável pelo batismo do
rei Dewin, da Nortúmbia, e pela “conversão” da
nação. Nessa época é estabelecido um importante centro monástico na ilha de
Iona, sob a liderança de Santo Aidan.
O período da Igreja Celta autônoma
chegou ao fim com a convocação, pelo rei Oswy, da Nortúmbia, de delegados
celtas e romanos, para um Concílio na cidade de Whitby, em 664, quando os celtas
aceitaram a data da Páscoa romana e se submeteram à autoridade papal, apesar de
resistências de vários líderes, como São Cutberto, Bispo de Lindisfarne (uma
histórica Sé celta). O Papa cria o Arcebispado de York, segundo em honra ao
Arcebispado de Cantuária, e símbolo da herança celta. Não houve uma
continuidade de sucessão apostólica dos bispos celtas. O Episcopado Histórico
Anglicano tem início com Agostinho.
A FASE CATÓLICO-ROMANA (Séculos VII a XVI)
Nos primeiros séculos, após a
vinculação com a Igreja de Roma, prosseguiu a vida tradicional da Igreja Celta,
mas a criação das Dioceses e a designação de bispos, com a evangelização das
áreas mais remotas, e uma maior disciplina para o clero, sendo percebido como
líder de toda a Igreja inglesa, foi obra de Teodoro de Tarso, titular de
Cantuária por 21 anos. Os papas canalizaram o fervor missionário dos celtas
para a evangelização da Alemanha e da Escandinávia. Politicamente, a Inglaterra
não era um país unificado, mas um conjunto de reinos e feudos, aos quais se
ligavam os párocos de aldeia. Enquanto isso, o monasticismo celta ia adotando a
regra beneditina. Os séculos VII e VIII produziram intelectuais de expressão,
como Adelmo, Alcuino e o Venerável Beda, autor da “História
Eclesiástica do Povo Inglês”. No século
IX a Inglaterra foi invadida pelos vikings, que destruíram quase tudo o que
tinha sido construído pela Igreja, saquearam Cantuária e incendiaram a Catedral.
Alguns desses invasores se fixaram
na terra concorrendo para o sincretismo com o cristianismo popular,
particularmente a prática de magias. Ironicamente, enquanto os vikings
escandinavos estavam destruindo o cristianismo inglês, os missionários ingleses
estavam evangelizando a Escandinávia. A resistência aos invasores se fez,
principalmente, a partir do reino cristão de Wessex, liderado pelo rei Alfredo,
cujas leis se constituíram na base do Direito inglês, e que foi denominado de “o
protetor dos pobres”. Outro
foco de resistência foi um movimento de reavivamento monástico, liderado por
Dunstam, Abade de Glastombury, e, depois Arcebispo de Cantuária. No século X a
Inglaterra caminhava para uma maior união política, e a Igreja contava com 18
Dioceses, com todos os cargos paroquiais preenchidos. Em 1016 a Inglaterra
sofreu nova invasão normanda, mas, dessa vez, tendo à frente um cristão
convertido, dinamarquês de nascimento, Cnut, que foi proclamado rei do país,
aprofundou os vínculos dos cristãos ingleses com a Igreja de Roma, e quebrou o
monopólio dos beneditinos, abrindo as portas para outras ordens e congregações.
Já se afirmou que: “A conquista
normanda deu fim a uma era de sete séculos de um cristianismo inglês, que tinha
nascido naBritânia romana e tinha passado, sucessivamente, pelas etapas celta,
anglo-saxônica e escandinava. Do tempo de Agostinho em diante, por quatro
séculos, a Igreja Inglesa tinha estado na órbita papal. Na era normanda, a
autoridade papal passaria a ser fortalecida grandemente…”.
Outro autor, comentando esse
período, afirmou: “…sempre houve uma certa insatisfação na Igreja Inglesa, por
ter que se submeter a uma Igreja estrangeira (romana). Esta animosidade se
intensifica a partir do décimo segundo século, e dá início a tensões que são
inegáveis. No século XII, por exemplo, o rei Henrique II limitou o poder do
clero inglês, quando lhe proibiu a possibilidade de apelar a Roma, quando
limitou a autoridade da Igreja em imprimir censuras, e quando subordinou a
permissão ao rei as viagens dos bispos para o exterior. Em 1164, ficou
estabelecido, na Dieta de Cheredon, que a eleição dos prelados só se faria com
a aprovação do rei, a quem os eleitos antes da sagração deveriam prestar
juramento de vassalagem e fidelidade.
Ato de Provisão (1351) e o Estatuto
Praemunire (1353) proíbem, respectivamente, a entrada em território britânico
de qualquer bula ou sentença papais, e impedem a apelação a tribunais eclesiásticos
estrangeiros, declarando ilegítimas todas as nomeações feitas pelos papas”. As
tensões entre os monarcas e os papas eram uma marca da Europa daquela época,
com o início das consciências nacionais (que resultariam na criação dos Estados
Nacionais) e os sentimentos nacionalistas. Um caso dramático foi, primeiro, o
exílio, e, posteriormente, o assassinato do Arcebispo de Cantuária Thomas
Becket, no reinado de Henrique II. No século XIII, com a ida para as cruzadas
do rei Ricardo, “Coração
de Leão”, assumiu o
trono inglês o seu irmão, João, o “Sem
Terra”, a que os
nobres, reunidos em Parlamento, forçaram a assinar o histórico documento de
direitos, a “Magna
Carta” (1215),
onde aparece pela primeira vez a expressão “Igreja
Anglicana”, na
cláusula que diz “a
Igreja Anglicana será livre”. O século
XIV significou um momento de inflexão na história medieval, com o início da
decadência do poder papal, com o chamado “Cativeiro
Babilônico”, com os
papas, de 1309 a 1377, prisioneiros dos reis franceses em Avignon(todos os
papas desse período foram franceses…), e o desgaste para a instituição com um
papa em Roma ex-comungando o Papa de Avignon e vice-versa.
A eleição de um terceiro papa “desempatador” não
foi aceita, e somente com a eleição de um quarto papa, com suficiente respaldo
dos poderes temporais, houve o regresso a um papado unificado, mas desgastado e
fragilizado. É nesse contexto que a
Inglaterra vai ser o lugar para o mais importante episódio da Pré-Reforma, com
John Wycliffe (1328-1384), professor da Universidade de Oxford, denominado de “a
estrela matutina da Reforma”. Wycliffe
teceu fortes críticas à instituição do papado, condenou a simonia(compra de
cargos eclesiásticos) e as indulgências (anistia de pecados mediante
pagamento), negou a doutrina da transubstanciação, defendeu o confisco dos bens
da Igreja pelo Estado, e a necessidade do povo conhecer as Sagradas Escrituras
em sua própria língua, sendo as mesmas o único fundamento da fé.
Suas ideias correram a Europa, e
influenciaram Jerônimo, professor da Universidade de Praga (na Boêmia,
província Tcheca) e seu jovem discípulo Jan Huss, que, apesar de ter conseguido
um Salvo Conduto do Concílio de Constança, foi queimado vivo. Wycliffe fundou,
dentre os jovens alunos de Oxford, oriundos da aristocracia, uma ordem
mendicante, conhecida como os “Lolardos”, que iam pelas aldeias pregando e distribuindo
porções bíblicas, e que foi condenada pelo estatuto “De
Herético Carburendo”, que
autorizava a execução dos que não abjurassem. O movimento, mesmo perseguido,
permaneceu clandestino por cerca de um século e meio, até a Reforma.
O Anglicanismo é um ramo histórico e reformado da Igreja de Jesus Cristo,
presente em 164 países, e em dinâmico processo de expansão missionária. É a
religião oficial da Inglaterra, e doze dos seus membros ocuparam a Presidência
da República dos Estados Unidos da América. É a Igreja de pensadores como John
Stott, C.S. Lewis, J.I. Packer, Alister McGrath e N.T Wright. Mas, para muitos
leitores brasileiros ela é “a religião fundada pelo rei Henrique VIII”. Estamos
presentes no Brasil desde a Regência, com as Capelanias Consulares Britânicas;
chegamos em grande número, com a imigração japonesa para o sudeste e o sul;
estabelecemos uma vigorosa missão, de origem norte-americana, no Rio Grande do
Sul, no final do século XIX. Em nosso País ainda se confunde romanismo com
catolicismo, e há, entre os protestantes, preconceitos contra a estética na
adoração e contra o governo episcopal. Católicos romanos, desconhecedores da
Igreja Celta, e da ampla e complexa realidade da Reforma Inglesa, ainda nos
encaram como simples cismáticos.
Os Anglicanos formam o ramo do
Cristianismo Histórico que têm suas raízes na Grã-Bretanha, onde se situa a Inglaterra,
cuja região central é denominada de Anglia, a terra dos anglos. A Grã-Bretanha
também inclui a Escócia, Gales, Irlanda e a Ilha de Man. A Inglaterra (terra
dos anglos) foi conquistada pelo imperador
Júlio César no ano 55 a.C., mas Roma levou um século para dominar toda a
Grã-Bretanha, com suas colônias, estabelecimentos militares e entrepostos militares, em uma era de
prosperidade, que durou três séculos.
A Irlanda, a Escócia, Gales, a Ilha de
Man e o norte da Inglaterra passaram a ser habitados, permanentemente, pelo
povo Celta, originário da Bulgária, no leste, e que se expandiu por toda a
Europa, fincando raízes nas Gálias (França), Península Ibérica e Ilhas
Britânicas. O sul da Inglaterra conheceu sucessivas levas de invasores.
Podemos dividir a História da Igreja
na Ilhas Britânicas em três fases:
1. A Fase Celta;
2. A Fase Católico-Romana;
3. A Fase Reformada.
A FASE CELTA (Séculos I ao VII)
Não houve nenhum esforço missionário
formal, nem das Igrejas do Oriente,nem da Igreja do Ocidente, para evangelizar
as Ilhas Britânicas. Ela foi o resultado do esforço dos leigos. Soldados,
funcionários civis e comerciantes cristãos romanos levaram o Evangelho para
aquelas ilhas. Também, no ano 70 d.C., dentre os escravos perseguidos nas
Gálias (França) que fugiram para o litoral inglês, estavam grupos de cristãos.
Uma tradição atribui à presença de José de Arimatéia, no primeiro século. Há
sítios arqueológicos desse período, como uma Capela em Kent, uma Igreja em
Silchester e a presença, em vários lugares, de símbolos cristãos, como o XP.
Tertuliano afirma a existência da
comunidade cristã britânica no ano 200. Três bispos ingleses estiveram
presentes ao Concílio de Arles, no sul da França, em 314. Não se sabe se
estiveram no Concílio de Nicéia (325), mas Atanásio informa que a Igreja
inglesa se submeteu às suas deliberações. A realidade é que o povo Celta se
converteu ao Cristianismo, e teve o seu primeiro mártir na pessoa de Santo
Albano, sacerdote morto durante a perseguição
do imperador Diocleciano (305). A Irlanda foi marcada pelo ministério
de Patrício e Paládio, a Escócia pelo ministério de Nínian e Columba, e Gales
pelo ministério de Davi.
A Igreja Celta tinha um forte acento
místico, ascético e missionário, sendo influenciado pela contemplação da Igreja
Oriental, inclusive pela adoção da sua versão do Credo. Essa contemplação
litúrgica, esse sentir da fé, essa
valorização da natureza, a
diferenciava da visão jurídica, filosófica e institucional da Cristandade
euro-ocidental sob Roma. Sua unidade básicaera
O mosteiro, com uma área de influência, sob a autoridade de um Abade.Alguns
abades eram bispos, mas a maioria dos bispos era missionária. Com essas regiões
abaciais, eles não conheceram a figura da Diocese, no modelo romano.
A Igreja Celta funcionou até o
século VII como um ramo autônomo do Cristianismo, se comportando como parte da
Igreja Católica (universal), mas sem vínculos formais ou subordinação à Igreja
de Roma. A partir do século V as regiões sul e centro da Inglaterra foram
invadidas por anglos, saxões e jutos, que a descristianizaram ou
re-paganizaram. Foi por isso que o Papa Gregório Magno, decidiu enviar uma
força missionária para aquelas regiões, formada por 40 monges beneditinos, sob a
liderança de Agostinho, que se estabeleceram na cidade de Cantuária
(Canterbury) perto do litoral. Além do objetivo de re-cristianizar a
Inglaterra, aqueles monges deveriam tentar levar a Igreja Celta a se vincular a
Roma, respeitando, tanto quanto o possível, os seus costumes.Agostinho foi
feito Bispo, bem como o seu companheiro Paulinus, responsável pelo batismo do
rei Dewin, da Nortúmbia, e pela “conversão” da
nação. Nessa época é estabelecido um importante centro monástico na ilha de
Iona, sob a liderança de Santo Aidan.
O período da Igreja Celta autônoma
chegou ao fim com a convocação, pelo rei Oswy, da Nortúmbia, de delegados
celtas e romanos, para um Concílio na cidade de Whitby, em 664, quando os celtas
aceitaram a data da Páscoa romana e se submeteram à autoridade papal, apesar de
resistências de vários líderes, como São Cutberto, Bispo de Lindisfarne (uma
histórica Sé celta). O Papa cria o Arcebispado de York, segundo em honra ao
Arcebispado de Cantuária, e símbolo da herança celta. Não houve uma continuidade
de sucessão apostólica dos bispos celtas. O Episcopado Histórico Anglicano tem
início com Agostinho.
A FASE CATÓLICO-ROMANA (Séculos
VII a XVI)
Nos primeiros séculos, após a
vinculação com a Igreja de Roma, prosseguiu a vida tradicional da Igreja Celta,
mas a criação das Dioceses e a designação de bispos, com a evangelização das
áreas mais remotas, e uma maior disciplina para o clero, sendo percebido como
líder de toda a Igreja inglesa, foi obra de Teodoro de Tarso, titular de
Cantuária por 21 anos. Os papas canalizaram o fervor missionário dos celtas
para a evangelização da Alemanha e da Escandinávia. Politicamente, a Inglaterra
não era um país unificado, mas um conjunto de reinos e feudos, aos quais se
ligavam os párocos de aldeia. Enquanto isso, o monasticismo celta ia adotando a
regra beneditina. Os séculos VII e VIII produziram intelectuais de expressão,
como Adelmo, Alcuino e o Venerável Beda, autor da “História
Eclesiástica do Povo Inglês”. No século
IX a Inglaterra foi invadida pelos vikings, que destruíram quase tudo o que
tinha sido construído pela Igreja, saquearam Cantuária e incendiaram a Catedral.
Alguns desses invasores se fixaram
na terra concorrendo para o sincretismo com o cristianismo popular,
particularmente a prática de magias. Ironicamente, enquanto os vikings
escandinavos estavam destruindo o cristianismo inglês, os missionários ingleses
estavam evangelizando a Escandinávia. A resistência aos invasores se fez,
principalmente, a partir do reino cristão de Wessex, liderado pelo rei Alfredo,
cujas leis se constituíram na base do Direito inglês, e que foi denominado de “o
protetor dos pobres”. Outro
foco de resistência foi um movimento de reavivamento monástico, liderado por
Dunstam, Abade de Glastombury, e, depois Arcebispo de Cantuária. No século X a
Inglaterra caminhava para uma maior união política, e a Igreja contava com 18
Dioceses, com todos os cargos paroquiais preenchidos. Em 1016 a Inglaterra
sofreu nova invasão normanda, mas, dessa vez, tendo à frente um cristão convertido,
dinamarquês de nascimento, Cnut, que foi proclamado rei do país, aprofundou os
vínculos dos cristãos ingleses com a Igreja de Roma, e quebrou o monopólio dos
beneditinos, abrindo as portas para outras ordens e congregações.
Já se afirmou que: “A conquista
normanda deu fim a uma era de sete séculos de um cristianismo inglês, que tinha
nascido naBritânia romana e tinha passado, sucessivamente, pelas etapas celta,
anglo-saxônica e escandinava. Do tempo de Agostinho em diante, por quatro
séculos, a Igreja Inglesa tinha estado na órbita papal. Na era normanda, a
autoridade papal passaria a ser fortalecida grandemente…”.
Outro autor, comentando esse
período, afirmou: “…sempre houve uma certa insatisfação na Igreja Inglesa, por
ter que se submeter a uma Igreja estrangeira (romana). Esta animosidade se
intensifica a partir do décimo segundo século, e dá início a tensões que são
inegáveis. No século XII, por exemplo, o rei Henrique II limitou o poder do
clero inglês, quando lhe proibiu a possibilidade de apelar a Roma, quando
limitou a autoridade da Igreja em imprimir censuras, e quando subordinou a
permissão ao rei as viagens dos bispos para o exterior. Em 1164, ficou
estabelecido, na Dieta de Cheredon, que a eleição dos prelados só se faria com
a aprovação do rei, a quem os eleitos antes da sagração deveriam prestar
juramento de vassalagem e fidelidade.
Ato de Provisão (1351) e o Estatuto
Praemunire (1353) proíbem, respectivamente, a entrada em território britânico
de qualquer bula ou sentença papais, e impedem a apelação a tribunais
eclesiásticos estrangeiros, declarando ilegítimas todas as nomeações feitas
pelos papas”. As tensões entre os monarcas e os papas eram uma marca da Europa
daquela época, com o início das consciências nacionais (que resultariam na criação
dos Estados Nacionais) e os sentimentos nacionalistas. Um caso dramático foi,
primeiro, o exílio, e, posteriormente, o assassinato do Arcebispo de Cantuária
Thomas Becket, no reinado de Henrique II. No século XIII, com a ida para as
cruzadas do rei Ricardo, “Coração
de Leão”, assumiu o
trono inglês o seu irmão, João, o “Sem
Terra”, a que os
nobres, reunidos em Parlamento, forçaram a assinar o histórico documento de
direitos, a “Magna
Carta” (1215),
onde aparece pela primeira vez a expressão “Igreja
Anglicana”, na
cláusula que diz “a
Igreja Anglicana será livre”. O século
XIV significou um momento de inflexão na história medieval, com o início da
decadência do poder papal, com o chamado “Cativeiro
Babilônico”, com os
papas, de 1309 a 1377, prisioneiros dos reis franceses em Avignon(todos os
papas desse período foram franceses…), e o desgaste para a instituição com um
papa em Roma ex-comungando o Papa de Avignon e vice-versa.
A eleição de um terceiro papa “desempatador” não
foi aceita, e somente com a eleição de um quarto papa, com suficiente respaldo
dos poderes temporais, houve o regresso a um papado unificado, mas desgastado e
fragilizado. É nesse contexto que a
Inglaterra vai ser o lugar para o mais importante episódio da Pré-Reforma, com
John Wycliffe (1328-1384), professor da Universidade de Oxford, denominado de “a
estrela matutina da Reforma”. Wycliffe
teceu fortes críticas à instituição do papado, condenou a simonia(compra de
cargos eclesiásticos) e as indulgências (anistia de pecados mediante
pagamento), negou a doutrina da transubstanciação, defendeu o confisco dos bens
da Igreja pelo Estado, e a necessidade do povo conhecer as Sagradas Escrituras
em sua própria língua, sendo as mesmas o único fundamento da fé.
Suas ideias correram a Europa, e
influenciaram Jerônimo, professor da Universidade de Praga (na Boêmia,
província Tcheca) e seu jovem discípulo Jan Huss, que, apesar de ter conseguido
um Salvo Conduto do Concílio de Constança, foi queimado vivo. Wycliffe fundou,
dentre os jovens alunos de Oxford, oriundos da aristocracia, uma ordem
mendicante, conhecida como os “Lolardos”, que iam pelas aldeias pregando e distribuindo
porções bíblicas, e que foi condenada pelo estatuto “De
Herético Carburendo”, que
autorizava a execução dos que não abjurassem. O movimento, mesmo perseguido,
permaneceu clandestino por cerca de um século e meio, até a Reforma.
A FASE REFORMADA (Século XVI aos
Nossos Dias)
O Sacro-Império Germânico Romano,
como unidade política sob a hegemonia papal, estava se desintegrando sob a
força do emergente nacionalismo. O feudalismo também iniciava o seu declínio.
Dentre as forças políticas medievais, declinavam o Papa, o Imperador e os
Barões, e se fortaleciam os Reis e a nobreza. O próximo passo seria a
independência dos países, mas romper com o Sacro-Império era, também, romper
com o papado. A situação da Inglaterra não era diferente, com a diferença que
sua Igreja fora independente no passado, que sempre tinha mantido uma relativa
autonomia, e que recebera a influência da Pré-Reforma de John Wycliffe.
Ao contrário de Wycliffe, Lutero e
os reformadores tiveram a seu favor adescoberta da imprensa e a conversão do
seu inventor, Gutemberg, o que possibilitaria uma rápida disseminação de suas
ideias. As 95 Teses foram afixadas por Lutero, em Wittemberg, em 31 de outubro
de 1517. Já em 1520 as
ideias protestantes eram estudadas pelo clero inglês e por professores e alunos
das Universidades de Oxford e Cambridge. Cambridge se tornou, desde cedo, o
epicentro da Reforma Inglesa, com as reuniões de debate se dando todas as
tardes na Taverna do Cavalo Branco.
Por um lado, temos que desmitificar
a versão de que “a
Igreja Anglicana foi fundada pelo rei Henrique VIII”, pois, como já se disse: “A
Reforma Inglesa viria com Henrique VIII, sem ele ou contra ele”. Henrique VIII, a partir de 1509, teve uma
gestão positiva como rei, fundando a primeira escola secundária pública do
reino, em um anexo à Catedral de Cantuária (o “King’s
School”), que funciona
até hoje. A questão da sucessão dinástica não era, então, um assunto privado,
mas uma questão de segurança nacional. Anulações de casamentos, por interesse
político, já conheciam precedentes por parte do papado. O que não acontece em
seu caso, em razão da sua primeira esposa ser sobrinha do Imperador.
O rei era, originalmente, um devoto católico romano, chegando a escrever
um texto para refutar as posições de Lutero sobre os Sacramentos, recebendo do
papa o título de Defensor da Fé (Defensor Fidei), usado pelos reis ingleses
ainda hoje.
O
cenário começa a mudar com a posse de Thomas Cranmer como Arcebispo de
Cantuária, em 1533. Cranmer, professor em Cambridge, já tinha aderido ao
Protestantismo, e era um dos componentes do grupo da Taverna do Cavalo Branco.
Ele anula o primeiro casamento do rei, e celebra o novo casamento. O Parlamento
– cheio de nacionalistas – aprova essas medidas. O Parlamento agora
tratando o papa de “o
Bispo de Roma, também chamado de Papa”, foi aprovando uma sucessão de leis de
afirmação da autonomia da Igreja Inglesa.
Os
mosteiros foram dissolvidos. As terras da Igreja sofreram uma reforma agrária.
Suspendeu-se o envio de impostos para o papa e para o imperador. O rei recebeu,
em 1534, o título de “Governador
e Suprema Cabeça da Igreja”.
O
Arcebispo de Cantuária é estabelecido como titular da hierarquia. Surgia aIgreja da Inglaterra como Igreja Nacional. A
Reforma Inglesa se deu por Atos do Parlamento sancionados pelo rei, com o apoio
dos intelectuais e da liderança do clero. Embora a Bíblia (secretamente) já
fosse distribuída desde Wycliffe, no século XIV, agora o povo a demandava
abertamente, o que foi feito com a nova tradução para o vernáculo, liderada por
William Tyndale.
De
seus casamentos, o rei Henrique VIII, ao falecer, deixara três filhos, de três
esposas diferentes, que seguiam a religião de suas mães: Eduardo, o mais velho
e Elizabeth, a mais nova, eram protestantes; e Maria, a do meio, eracatólica
romana.
De
1547 a 1553 reinou Eduardo VI, que, por ser menor de idade, foi assessorado por
regentes, igualmente protestantes, que aprofundaram a Reforma, com a aprovação
pelo Parlamento, em 1549, do Livro de Oração Comum (LOC) compilado pelo
Arcebispo Cranmer. Os altares de pedra foram substituídos por mesas de madeira,
o celibato clerical foi revogado, o povo passou a receber a Ceia nas duas
espécies, foram retiradas as imagens dos altares, a Eucaristia deixou de ter um
caráter sacrificial, foi abolida as orações pelos mortos e simplificadas as
vestes clericais. São decretados os “Quarenta
e Dois Artigos”, de forte
inspiração calvinista.
De
1553 a 1558 reinou Maria, que se reconcilia com Roma, impõe de volta a religião
católica romana, recebendo o epíteto de “a
sanguinária”, por ter
sido responsável pela execução de mais de 300 clérigos, dentre eles o Arcebispo
de Cantuária Thomas Cranmer (o pensador principal da Reforma Inglesa) e os
Bispos Latimer e Ridley, queimados vivos na estaca no centro de Oxford. Na
execução, já queimando, o Bispo Latimer gritou para o seu companheiro de
infortúnio: “Conforte-se,
mestre Ridley, e seja homem; devemos encarar esse dia com sendo candelabros da
Graça de Deus sobre a Inglaterra, e essachama jamais será apagada”.
Segue-se
o longo reinado de Elizabeth I, de 1558 a 1603, que rompe, outra vez, com a
Igreja de Roma, edita, em 1559, uma nova versão do Livro de Oração Comum (LOC),
como única liturgia oficial, reduzindo para 39 “Os
Artigos de Religião”. Elizabeth
sofre pressão; de um lado, do remanescente
dos
restauracionistas pró-Roma, e, do outro, dos “puritanos”, que voltavam do exílio sob forte influência de
expressões mais extremadas da Reforma. Ela se mantém fiel ao espírito da
Primeira Reforma, fazendo o Parlamento aprovar duas leis fundamentais: O Ato de
Supremacia e o Ato de Uniformidade, o que significaria não voltar para Roma e não
ceder às pressões de Genebra. Esse “estabelecimento
elizabethano” forjou
a face do Anglicanismo, como Igreja Católica e Protestante.
O
principal pensador dessa época, e defensor da “via
média” Anglicana,
foi Richard Hooker, autor da obra clássica “Das
Leis da Política Eclesiástica”, 1594. Com
a morte de Elizabeth, em 1603, assume o trono o rei Jaime I, da Escócia, que
autoriza a edição da famosa “Bíblia
King James”, sendo
sucedido, em 1625, por seu filho Carlos I, tentando manobrar no meio do
conflito entre romanistas, elizabethanos e puritanos, todos insatisfeitos, e
com seus próprios projetos.
Uma
Guerra Civil tem início em 1642, vencida pelo exército de hegemonia puritana,
que prende o rei Carlos I e o executa, em 1649. A partir de 1643, todo poder
permanece com o Parlamento, que estabelece o presbiterianismo como religião
oficial, e convoca a Assembléia dos teólogos calvinistas para, reunidos na
Abadia de Westminster, redigirem um Guia de Culto, uma Confissão de Fé e um
Pequeno e um Grande Catecismo. Em 1648, Oliver Cromwell, máximo dirigente
militar, dissolve o Parlamento e dá início a uma ditadura
de puritanos, se denominando de “Protetor”. Com sua morte, em 1660,
o seu filho Richard não consegue segurar o regime. O Parlamento volta a
funcionar normalmente, chamando para o trono o filho de Carlos I, Carlos II,
restaurando o Episcopado e o Livro de Oração Comum (LOC), retomando ahegemonia
Anglicana.
Perto
de sua morte, em 1685, Carlos II abraça o catolicismo, e é substituído por seu
irmão Jaime II, um católico, que pretendia nova vinculação à Igreja de Roma, o
que põe a nação inglesa em ebulição. A aristocracia, respaldada pela maioria do
exército, da burguesia e do povo, entra em contato com a princesa Maria, filha
de Jaime II, casada com o príncipe holandês, Guilherme de Orange, ambos
protestantes, que concordam em derrubar o pai/sogro. Em 18 de dezembro de 1688,
o rei Jaime II foge de Londres, e Guilherme e Maria entram, triunfalmente, no
que viria a ser denominada de “A
Revolução Gloriosa”, pelo não derramamento de sangue e pelo alto
consenso.
No
final do século XVII, 154 anos desde a separação de Roma com Henrique VIII,
após avanços e recuos em várias direções, surge uma nova nação inglesa com uma
Monarquia Parlamentarista e uma Igreja Nacional, que, com pequenos ajustes,
restaura o estabelecimento elizabethano. A Igreja na Inglaterra se torna a Igreja da Inglaterra. O
Anglicanismo – católico e reformado – se torna um ramo específico na
Igreja de Cristo.