Cada ramo do Cristianismo desenvolveu suas marcas, ênfases, estilos, mentalidades caracterizadoras e diferenciadoras, enriquecendo o todo do Corpo de Cristo. Em nosso caso, o denominamos de “Ethos Anglicano” , o jeito anglicano de ser. Por sermos, ao mesmo tempo, uma Igreja Católica e Protestante, somos peculiares, e muitas vezes não somos devidamente compreendidos pelos que estão nos dois pólos, ou por nós mesmos, quando não incorporamos os dois pólos, e fazemos a riqueza da síntese. “Católicos para toda a Verdade de Deus, e Protestantes contra todos os erros dos homens” , já se afirmou.
1. Somos Uma Igreja Católica, isto é Histórica, em sua continuidade desde Jesus Cristo, e não por qualquer “fundador” posterior; Universal em sua composição e destinação, preservando os Credos, o Episcopado Histórico e as três Ordens históricas: bispos, presbíteros e diáconos, e os Sacramentos, respeitando a Tradição, e adotando uma Liturgia elaborada, com todo um acervo do passado, bem como símbolos, ritos e cerimônias acumuladas ao longo dos tempos e culturas. Enquanto os ramos católicos (orientais e ocidentais) valorizam a pré-Reforma Protestante e os ramos protestantes valorizam a Reforma e a Pós-Reforma, nós procuramos manter o positivo de todos os tempos. Sobre essa nossa continuidade e peculiaridade escreveu um autor: “Quaisquer que tenham sido a ocasião e as circunstâncias da Reforma do Século XVI, as Igrejas Anglicanas sempre reivindicaram inquebrável continuidade, na fé e na ordem, com a Igreja Universal da Antiguidade... Os Anglicanos aceitam os Credos e as decisões doutrinárias dos sete primeiros Concílios da igreja indivisa como legítimas interpretações da Revelação Escriturística... E insiste, também, em manter as três ordens sacras: bispo, presbítero e diácono, em sucessão desde os tempos apostólicos e da Igreja Primitiva” .
2. Somos Uma Igreja Protestante, como Reforma Inglesa, adotando os postulados daquele importante movimento do Século XVI. O Livro de Oração Comum e os XXXIX Artigos de Religião são inegavelmente protestantes, em sua crítica ao passado, em sua negação das doutrinas não-escriturísticas, em sua ênfase na Autoridade das Sagradas Escrituras e na Salvação pela Graça mediante a Fé em Jesus Cristo , a liturgia no vernáculo, a dignidade do casamento dos ministros ordenados e o sacerdócio universal de todos os crentes. Nossa Liturgia foi fortemente influenciada pelo Luteranismo e nossa concepção moderada de Predestinação nos veio do Calvinismo, embora com Wycliffe e os Lolardos , com a pré-Reforma, as idéias protestantes já estavam nas Ilhas Britânicas desde o século XIV. Nossos Artigos de Religião (Artigo VI) afirmam: “A Escritura Sagrada contém todas as coisas necessárias para a salvação; de modo que tudo o que nela não se lê, nem por ela se pode provar, não deve ser exigido de pessoa alguma seja crido como artigo de fé, ou julgado como requerido ou necessário para a salvação” , e (Artigo XI) afirmam : “Somos reputados justos perante Deus, somente pelos méritos do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo pela Fé, e não por nossos merecimentos ou obras. Portanto, é doutrina mui saudável e cheia de consolação a de que somos justificados somente pela Fé...” .
3. Somos Uma Igreja Inclusiva, não padronizadora, nem uniformizando todos os detalhes e proibindo toda a diversidade. Nosso princípio vem da Patrística: “No Essencial, Unidade; no Acidental, Diversidade; em tudo Caridade ” . Mantendo as doutrinas centrais, adotamos o princípio reformado da “adiáfora” (indiferença) para as questões secundárias, onde não haja clareza bíblica nem consenso histórico, e seja lícita uma diversidade de usos e costumes, conforme os tempos e culturas. A Declaração de Montreal, “Essência do Anglicanismo” , de 1974, afirma (item 6): “O não-essencial não deve ser requerido de ninguém como crença, nem exigido como matéria de doutrina, disciplina ou culto” , e, ainda, (item 14): “Nesta declaração cremos estar insistindo somente naquilo que é genuinamente essencial. No que se refere ao não-essencial, devemos pedir a graça do Senhor para reconhecer e respeitar a liberdade dos outros que tem caracterizado tradicionalmente nossa herança anglicana” . Convivemos com correntes internas, como os anglo-católicos e os anglo-evangélicos, dentre esses encontramos tradicionais e carismáticos, calvinistas e arminianos de diversos matizes, além de divergências nas ênfases litúrgicas ou quanto a ordenação feminina. A Inclusividade, também denominada de Compreensividade, é sinal de maturidade. Hans Küng escreveu que uma marca do Anglicanismo é a sua maturidade, sua moderação, o seu bom senso, onde não há espaço para extremismos e fanatismo. Com uma compreensão do pecado não só individual, mas, também institucional, nosso tratamento disciplinar tem sido sempre marcado por uma ênfase fortemente pastoral.
4. Uma Igreja Ecumênica, Universal e não Seita, consciente de que não somos “a” Igreja, nem “a Igreja Perfeita” , mas “uma parcela reformada e provisória da Igreja Universal” de Cristo. Provisória, porque escatologicamente cremos que um dia “haverá um só rebanho e um só pastor” ; Parcela, porque reconhecemos que há cristãos em outros ramos dessa mesma Igreja, tanto reformados (com quem mais nos identificamos), quanto não-reformados (Igreja de Roma e Igrejas Orientais), que, para os Reformadores “apesar dos seus erros e superstições são, ainda, ramos genuínos da Igreja de Cristo” . Combatemos esses “erros e superstições” e não sua fé Credal. A Declaração de Montreal chama a Igreja de “sociedade sobrenatural” , “família de Deus” , “Corpo de Cristo” , “Templo do Espírito Santo” : “É a comunidade dos crentes, justificada pela fé em Cristo, incorporada à vida ressurreta de Cristo, e posta sob a autoridade das Sagradas Escrituras” . Tendo como base doutrinária do Quadrilátero de Lambeth, e não negociando seus princípios essenciais, a Comunhão Anglicana tem participado, desde o início do Movimento Ecumênico, com as Igrejas que professam as doutrinas contidas nos Credos: Apostólico e Niceno. Temos participado de conversações, e ações cívicas, visando o bem-comum de todos os cidadãos, com outras religiões que não confessam essas verdades credais, mas a isso não denominamos, em nossos documentos oficiais, de Ecumenismo, mas de Diálogo Inter-Religioso.
5. Uma Igreja Missionária, que leva a sério a Grande Comissão, de ir para todas as nações e pregar o Evangelho, fazendo discípulos. A Comunhão Anglicana (sem falar nas “igrejas continuantes” , ou anglicanos não em comunhão com a Sé de Cantuária) estamos presentes em 164 países (buscando atingir outros), como resultado do trabalho sacrificial de sociedades missionárias e de ações evangelísticas de Províncias, Dioceses e Paróquias, com crescimento maior, nas últimas décadas, no Hemisfério Sul. A Conferência de Lambeth de 1988, ao lançar a “Década da Evangelização” , optou por uma concepção de Missão Integral, formada por cinco “avenidas” , ou áreas: a) Proclamar as Boas Novas do Reino; b) Ensinar, Batizar e Instruir os novos crentes; c) Responder às necessidades humanas, por serviço em amor; d) Procurar transformar as estruturas injustas da sociedade; d) Defender a vida e a dignidade da Criação, sob a seguinte definição: “Evangelização é a apresentação de Jesus Cristo, no poder do Espírito Santo, de tal maneira que os homens passem a conhecê-lo como Salvador e servi-lo como Senhor, na comunhão da Igreja, e na vocação da vida comum” .
Sobre esse ramo católico, protestante, inclusivo, ecumênico e missionário da Igreja de Jesus Cristo, escreveu o teólogo calvinista e um dos editores da “Bíblia de Genebra” (e membro da nossa Igreja) J.I. Packer: “O Anglicanismo contém a mais rica, a mais vasta e a mais sábia herança de toda a Cristandade” .
(Compilação: Revmo. Dom Robinson Cavalcanti
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